A participação de cartões nas vendas do comércio cresce ano após ano.
Em 2017, os pagamentos com cartões de crédito e débito responderam por quase 30% das despesas de consumo das famílias brasileiras. Em 2007, a parcela era de 16%.
Com cada vez mais cartões na carteira dos consumidores, o velho cheque cai em desuso e mudam os hábitos da população, que passa a privilegiar os pagamentos eletrônicos e, com isto, precisa de menos dinheiro vivo nos bolsos.
Diante deste cenário, o estabelecimento comercial que não aceita pagamentos no cartão corre o sério risco de perder vendas, além de abrir mão de benefícios como a segurança e a praticidade proporcionadas pela modalidade.
As vendas no cartão, porém, geram para os lojistas significativos custos associados ao aluguel ou compra das maquininhas, à taxa de desconto, paga sobre o valor de cada venda, e ao prazo de recebimento, de cerca de 30 dias no caso das vendas no cartão de crédito.
É importante lembrar, contudo, que o quadro já foi muito mais desfavorável ao comércio, que até 2010 era obrigado a ter maquininhas de todas as credenciadoras, caso quisesse oferecer aos clientes as principais bandeiras do mercado como opção de pagamento.
Naquele ano, a ação dos órgãos reguladores eliminou as exclusividades que existiam entre a bandeira Visa e a credenciadora Visanet (que mudou o nome para Cielo) e a bandeira Mastercard e a Redecard (hoje Rede).
Novos competidores entraram no mercado oferecendo maquininhas que aceitavam ambas as bandeiras e o aumento da competição derrubou a taxa média de desconto, que passou de 2,95% em 2009 para 2,78% em 2011 no caso dos cartões de crédito e de 1,59% para 1,57% no caso do débito.
A taxa do débito ainda recuou mais um pouco, para 1,54% em 2015, enquanto a do crédito ficou praticamente estável no período. Isso porque surgiram novas barreiras à competição no setor.
A partir de 2010, bandeiras nacionais, de propriedade de grandes bancos e exclusivas de suas credenciadoras, passaram a ganhar mercado e limitar a concorrência entre as maquininhas.
Além disso, a taxa de intercâmbio – parcela da taxa de desconto repassada ao emissor do cartão – subiu no período (de 1,36% em 2011 para 1,58% em 2015, no caso do cartão de crédito, e de 0,73% para 0,80% no caso do débito).
Uma explicação para a alta é que os grandes bancos, donos das principais credenciadoras (as donas das maquininhas), podem tratar o negócio de cartões de forma integrada e compensar a perda de margem destas empresas com aumento da receita de intercâmbio, limitando com isso a capacidade das novas credenciadoras de competirem.
Afinal, as novas credenciadoras, não ligadas a bancos – e cuja escala da operação é menor, resultando em maiores custos por transação –, além de não poderem oferecer as bandeiras nacionais, ainda tinham suas margens comprimidas pelo aumento do intercâmbio repassado aos emissores de cartão.
Ficava evidente, assim, o prejuízo à competição decorrente de um mercado verticalizado, com os grandes bancos (emissores) donos das principais credenciadoras.
A ação dos órgãos de proibir exclusividades entre bandeiras nacionais e credenciadoras foi, portanto, outro passo importante para incentivar a concorrência.
Em 2016, todas as maquininhas passaram a aceitar as principais bandeiras.
Com isso, os lojistas puderam diminuir as despesas com o aluguel de maquininhas e a taxa das vendas no cartão voltou a cair, passando de 2,77% em 2015 para 2,65% no caso do crédito, e de 1,54% para 1,52% no caso do débito.
Não foram apenas os lojistas que ganharam. A entrada de empresas derrubou as taxas e viabilizou o surgimento de novas soluções de pagamento, incentivando a expansão dos meios eletrônicos, que trazem benefícios sociais como segurança, praticidade e formalização.
Em 2017, foi sancionada a lei que permite a cobrança de preços diferenciados de acordo com o prazo e o meio de pagamento.
Como os custos do cartão de crédito são mais altos do que os do cartão de débito, a lei permite que esta diferença seja repassada aos consumidores, tornando os preços mais justos e transparentes.
Na última semana, outra importante medida foi anunciada pelo regulador: será estabelecido um teto de 0,50% para a taxa média de intercâmbio do cartão de débito a partir de outubro.
A expectativa é que, ante a maior concorrência no mercado de maquininhas, a redução da taxa de intercâmbio se reverta em menor taxa de desconto para os lojistas.
Afinal, com a medida, as novas credenciadoras terão condições de oferecer taxas mais baixas aos estabelecimentos comerciais e, assim, acirrar ainda mais a competição no mercado de credenciamento.
Medidas adotadas nos últimos anos, portanto, vêm estimulando a concorrência entre as maquininhas, reduzindo os custos dos cartões para os lojistas e incentivando a expansão dos meios eletrônicos de pagamento.
O que não quer dizer, entretanto, que as mudanças devam parar por aí.
Há temas como a taxa de intercâmbio dos cartões de crédito, a neutralidade e a interoperabilidade do sistema, o prazo de recebimento e o parcelamento das vendas que merecem a atenção de reguladores, representantes do comércio e demais especialistas do setor.
Por se tratar de um mercado complexo, com diversas partes envolvidas (bancos, credenciadoras, bandeiras, estabelecimentos comerciais e consumidores), que movimenta anualmente mais de R$ 1 trilhão, toda mudança para reduzir custos e incentivar a desejável expansão dos meios eletrônicos exige uma avaliação criteriosa de custos e benefícios, contemplando os impactos sobre cada uma das partes, bem como os eventuais ganhos sociais.
Vitor França, economista, especial para o Varejoemdia