A alta do dólar, a escalada da inflação e o cenário eleitoral incerto devem retardar ainda mais a retomada do crescimento da economia, antes esperada para ocorrer a partir de 2019.
Os preços devem se manter mais elevados nos próximos meses, o que pode levar o país a crescer menos de 2% neste ano.
Se até o início de abril os anos de 2019 e 2020 eram considerados prazos factíveis para a economia melhorar – e até atingir níveis mais próximos do período pré-crise de 2016 –, agora tudo mudou.
A avaliação é de Marcela Kawauti, economista-chefe da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) e do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito).
Veja os principais trechos da entrevista com a economista.
Quais são os principais impactos da alta do dólar?
São os preços para o varejo e para o consumidor.
Com o dólar mais alto, os produtos importados ficam mais caros, e os que dependem de commodities.
O grande exemplo é o pãozinho, pois o trigo é importado e, portanto, é indexado ao dólar.
Esse aumento é imediato?
Há uma defasagem em relação à alta do dólar. Não é porque o dólar subiu nas duas últimas semanas que os preços vão subir imediatamente.
Alguns produtos sim, mas há outros indexados ao dólar passado.
Todas as encomendas feitas e os produtos já entregues são cotados pelo dólar do passado.
Se a moeda ficar valorizada durante um período mais longo, o consumidor sentirá um impacto maior.
Mas a tendência é de essa alta se manter ou não?
Acredito que sim. A moeda reflete a força de um país.
Se o dólar está se valorizando, é porque os Estados Unidos estão mais fortes, com PIB melhor, desemprego menor.
Isso faz com que os juros lá subam e fica mais atraente investir nos EUA, com risco zero.
O Brasil já está numa fase muito ruim, com a moeda fraca.
Havia uma expectativa de a recuperação econômica ser lenta, mas ela está se mostrando ainda mais demorada do que o esperado.
Se o PIB ficasse em 3% neste ano, já seria uma recuperação lenta.
Nós estamos vindo do fundo do poço e agora, provavelmente, a gente vai ficar mais perto de 2% – isso se nada der errado daqui até o final do ano.
Os Estados Unidos não vão piorar de uma hora para outra e o Brasil não vai melhorar de uma hora para outra. É isso?
Exato. Ainda há uma questão que põe ainda mais lenha nessa fogueira: a eleição.
Se a gente não se recuperar neste ano, mas tiver uma expectativa de melhorar em 2019, o dólar pode cair.
Mas, como a definição da eleição parece que virá nos 45 minutos do segundo tempo, o dólar deve ficar alto por um período maior.
O dólar deve se manter alto, mesmo após encerrada a eleição?
Depende do candidato eleito. Se ele for mais criterioso, preocupado com a questão fiscal, e com uma política econômica mais cuidadosa…
Até o primeiro trimestre deste ano, tivemos um cenário bom para o dólar. Se qualquer um dos extremos ganhar a eleição, aí o dólar ainda pode subir ainda mais e mais.
Marcela Kawauti, economista-chefe da CNDL e do SPC Brasil
A inflação de maio, com IPCA de 0,40%, já foi acima da de abril, de 0,22%. A tendência é de este movimento se sustentar?
A inflação ainda pode subir, sim. Estamos perto de 3% e devemos caminhar até o final do ano para perto de 4% no acumulado de 12 meses.
Isso tem a ver com o dólar, mas também existe um movimento de normalização da inflação, que estava muito baixa.
Com a questão adicional da alta do dólar, o reflexo é primeiro subirem os preços de produtos indexados à moeda estrangeira. Mas isso pode reverberar, na sequência, para toda a economia.
O efeito da paralisação dos caminhoneiros já bateu na inflação ou ainda estamos vendo mais o impacto da alta do dólar?
O efeito deve vir com mais força na inflação de junho, mas em maio já há sinais.
Quais setores do varejo devem sofrer mais neste ano?
Todos os segmentos que dependem de importados (eletrônicos, que usam componentes de fora) e também os indexados ao dólar.
Mas esse impacto não está restrito, porque no fundo vai para a economia como um todo.
Qual a perspectiva da CNDL e do SPC Brasil para o país neste ano?
Não fazemos projeção específica para o varejo. O PIB deve crescer perto de 2%.
Estávamos mais animados até a um mês atrás, mas tudo mudou.
Há o impacto da greve, do dólar, da inflação e isso implica menor consumo e afeta diretamente a confiança do consumidor e do empresário.
A inflação deve ficar ao redor 4%. Sem dizer que trabalhamos com cinco a seis cenários diferentes para 2019, dependendo de quem vencer a eleição.
Qual o impacto dessa indefinição?
Como uma pessoa vai investir e pensar seis meses à frente? Nem estou falando de longo prazo, mas há muita indefinição ainda.
Até nas chapas e nas candidaturas a vice-presidência, por exemplo. Quando não se consegue olhar nem no longo prazo, isso acaba puxando o PIB ainda mais para baixo.
Há sinais hoje de que a recessão pode voltar?
Podemos voltar sim para a recessão em 2019, dependendo do resultado da eleição.
Se o candidato eleito não se preocupar com a questão fiscal, gastar sem pensar nas consequências, pode haver queda forte da confiança e uma alta ainda maior do dólar, o que pode puxar economia ainda mais para baixo.
Com a queda de investimentos externos, existe a possibilidade de uma nova recessão.
Mas também creio que a probabilidade de o eleito agir de forma muito extremista é pequena.
No passado, tivemos candidatos vistos assim, mas, ao se sentarem na cadeira de presidente, mantiveram o barco remando na mesma direção de seu antecessor.
Um exemplo foi o primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Qual a questão mais relevante que deve ser encarada agora, em sua avaliação?
O maior problema é a questão fiscal, que vem sendo empurrada com a barriga.
Será que o próximo (presidente) vai querer também dar uma empurradinha? Vai encarar as reformas necessárias?
Essa decisão é que pode fazer com que a gente continue nessa recuperação super lenta ou cresça de maneira mais sustentada.
Se o país crescer 2% neste ano e em 2019, aquela visão de que poderíamos voltar ao nível pré-crise em 2020, 2021 começa a ser empurrada ainda mais para frente.
Tudo vai depender do cenário da eleição, e não só da para presidente, mas também da composição do novo Congresso.
Alguns economistas avaliam que o Copom deve elevar os juros na próxima reunião. Você concorda?
Há dois meses, falávamos que os juros se manteriam em 6,25% ao ano até dezembro.
Em função do que estava ocorrendo, o Banco Central decidiu ser ainda mais prudente e manter os juros em 6,5%.
Acho que seria muito precipitado subir a taxa Selic já na próxima reunião.
Nem houve tempo ainda de avaliar o impacto desses 6,5% e já vai recomeçar um ciclo de alta? Acho difícil.
Então está descartada, em sua opinião, a alta dos juros?
Se a situação se deteriorar mais e a inflação subir muito, ela pode ocorrer.
Mas o BC olha para a frente quando decide a taxa de juros, e hoje o que pesa é que o patamar atual da inflação ainda está sob controle.
O que o BC determinar hoje terá impacto somente mais para a frente.
Há outros instrumentos sendo usados agora para conter a cotação do dólar (e impacto na inflação), como o swap cambial (equivale à venda de moeda no mercado futuro, o que reduz a pressão sobre a alta da moeda).
Se ele não conseguir segurar a alta do dólar, pode considerar usar os juros. Mas se o cenário piorar muito, não descarto a possibilidade de o Banco Central aumentar a Selic.
Essa alta dos juros, se ocorrer, pode voltar a ser significativa?
Vi alguns economistas falando em alta de até 0,75%, mas sinceramente acho muito.
Esse patamar significa voltar a três meses atrás. Acho que o Banco Central vai dosar o remédio devagar se optar por isso. Até porque, se tomar alguma atitude baseada no pânico, seria ruim.
A questão do reajuste de preços dos combustíveis pode agravar ainda mais a situação?
Combustíveis mais caros têm impacto enorme sobre os preços porque é insumo para tudo, está presente em alguma etapa da cadeia.
Se os preços diminuírem, a redução pode ajudar a economia nesse momento. Mas o governo está, como diz o ditado, entre a cruz e a caldeirinha.
Em que sentido?
De um lado, o governo precisa atender algumas reivindicações dos grevistas e impedir uma nova paralisação, mas sem onerar também os cofres públicos porque não há espaço para isso.
Acredito que a melhor saída seria a previsibilidade dos preços.
A população entende a atual política de reajuste?
É difícil entender. Mas, quando a gente compra gasolina aqui, o preço depende do cenário externo porque importamos parte do combustível refinado.
A Petrobras tem uma produção grande, mas o refinado, que usamos na ponta final, vem de fora.
Não há saída para a Petrobras que não seja repassar o preço de alguma forma; mas como vinha ocorrendo, com reajustes diários, houve um descontentamento.
Qual a saída para isso?
Há algumas alternativas em estudo, como a média móvel de reajuste. Ou determinar alguma data para o reajuste; todo final do mês, por exemplo.
Ou ainda reajustar de forma defasada; em junho, você reajustaria o mês de maio e assim por diante.
Assim, você abarca a questão fiscal, porque a Petrobras precisa fechar as contas, e também dá uma previsibilidade para as pessoas se programarem.
O que o consumidor ou pequeno varejista que tem um pouco de dinheiro sobrando pode fazer para se proteger, se ele quer investir?
Para quem tem pouco dinheiro não é hora de entrar no mercado de ações, mesmo com muita gente falando que a “Bolsa está barata” e que as ações estão com preços baixos e podem se valorizar.
Quem tem pouco dinheiro e precisa de liquidez, ter o dinheiro disponível no curto prazo, ainda é melhor pensar de forma mais conservadora.
Investimentos como o Tesouro Direto e o CDBs de bancos pequenos podem ser mais atraentes. Indicaria os investimentos pós-fixados, sem taxas estabelecidas (como os pré-fixados).
No caso do pós, ele acompanha o ritmo da inflação ou a correção pela taxa Selic e mais algum percentual fixo.
Mas é preciso avaliar também que Tesouro Direito e CDBs não são isentos de Imposto de Renda, como é a poupança.
Se for para deixar o dinheiro aplicado no curtíssimo prazo, a caderneta pode ser uma opção interessante, principalmente para quem não tem o hábito de guardar dinheiro e acha tudo muito complicado. Ainda é a melhor porta de entrada.
Foto principal: Artigos para Copa do Mundo são vendidos na região central de São Paulo; produtos importados sofrem com alta do dólar
Crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil – Fotos Públicas