O varejo nacional, ao longo do século 20, sempre tardou a adotar conceitos criados nos centros mais avançados.
Supermercados e hipermercados, por exemplo, só surgiram no cenário local 40 anos depois de suas estreias nos Estados Unidos.
Uma das raras exceções a essa regra ocorreu na segunda metade da década de 1950 com as discount stores, as lojas de desconto, que floresceram em solo ianque após a II Guerra Mundial.
As pioneiras no segmento dos preços bem abaixo do mercado foram a Two Guys from Harrison, de New Jersey, e a E. J. Korvette, de New York, que iniciaram as suas operações em 1946 e 1948, respectivamente.
A dupla, com o passar dos anos, ganhou a companhia de competidores de peso, casos de Caldor (1951), Zayre (1956), Bradlees (1958) e dos futuros gigantes Walmart, Kmart e Target, que seguem na ativa desde 1962.
Nesse intervalo, o Brasil aderiu à onda por meio do Mappin.
Instalada na praça Ramos de Azevedo, no centro de São Paulo, a empresa controlada pelo advogado Alberto Alves Filho anunciou, no início de julho de 1957, a diversificação de seus negócios com a abertura, na segunda quinzena daquele mês, das duas primeiras unidades das Lojas Mapps, na rua da Consolação e na alameda Nothmann, a poucas quadras da matriz.
Batismo: marca própria do Mappin tomada de empréstimo
O nome escolhido nada tinha de estranho aos paulistanos.
Mapps era uma marca própria da Casa Anglo-Brasileira, razão social adotada pelo Mappin em julho de 1939, utilizada em uma ampla gama de produtos – como móveis, eletrodomésticos e roupas – já havia alguns anos.
As novidades ficavam por conta das características dos dois pontos de venda, garagens transformadas em lojas, sem qualquer luxo ou ostentação, e do seu modus operandi, igualmente centrado em baixos custos operacionais.
Os consumidores escolheriam as mercadorias sem a intervenção de vendedores, algo raro à época no Brasil, e, embora não pudessem parcelar as suas compras, tinham a promessa de preços pelo menos 25% inferiores aos da concorrência em um leque restrito de itens de vestuário, alimentos, utensílios de cozinha, papelaria, eletroeletrônicos, brinquedos etc.
“Nossas vendas são estandardizadas, o que permite aos fabricantes uma produção em massa e portanto muito mais barata. É claro que assim V. terá menor escolha, pois somos obrigados a vender uma marca só de cada artigo, mas em compensação o preço é muito mais baixo”, explicavam os administradores da Mapps em peças publicitárias.
Preços tabelados: anúncio de seis páginas, em 28 de julho de 1957
A campanha de divulgação – que incluiu a publicação em jornais de uma extensa lista com os valores de todos os produtos ofertados – surtiu efeito.
As inaugurações das duas Mapps, em 29 de julho, mexeram com a região central da Pauliceia.
“Muito antes da abertura dos novos estabelecimentos, já era considerável o número de pessoas que ficou em fila, aguardando o momento de fazer aquisições de mercadorias com redução de 25% nos preços”, informava a edição da Folha da Manhã do dia 30, em nota ilustrada por uma foto que registrava o intenso movimento nos caixas da loja da rua da Consolação.
A iniciativa causou agitação e incômodo no setor.
Na primeira semana de setembro, o magazine Clipper anunciava descontos na faixa de 28,2% a 56% em dez itens e afirmava: “Quem vende mesmo mais barato é a Clipper”.
O Mappin não tardou a dar o troco, abrindo as portas, em 21 de outubro, da terceira Mapps, na rua Aurora, 1.011.
“Os preços das Lojas Mapps continuam! Os preços das Lojas Mapps continuarão para sempre!”, diziam anúncios estampados em diários da capital paulista naquela segunda-feira.
Reação da concorrência: a Clipper cutuca as Lojas Mapps
A previsão não se concretizou, para dizer pouco.
As propagandas das filhotas do Mappin sumiram da mídia paulistana em março de 1958.
Depois da euforia inicial com as lojas de desconto, o público acabou por dar as costas à novidade.
Resultado: em maio daquele ano, chegava ao fim, de forma absolutamente inglória, a breve trajetória da rede Mapps.
“O consumidor ainda não faz os cálculos de poupança necessários à boa avaliação dos problemas dos preços”, diagnosticava, de forma crítica, reportagem sobre o fechamento do trio publicada pelo jornal Folha da Manhã em 1º de junho.
Assinado pelo repórter J. G. Orsini, o texto considerava que “as comodidades para a efetivação das compras e as facilidades de crédito”, oferecidas pelo comércio convencional da cidade, “preponderaram sobre o atrativo das baixas cotações”, que eram a principal aposta das Lojas Mapps.
Apelo à $adedoria: anúncio publicado em fevereiro de 1958
Ignorar o enorme apreço da população pelo crediário custou caro ao projeto do Mappin, cujo naufrágio precoce prejudicou, por tabela, os próprios consumidores.
Foi só a partir da segunda metade da década de 1970, com a chegada do Carrefour ao Brasil, que o mercado local passou a contar, de fato, com uma rede disposta a sacrificar margens para ganhar na escala das vendas.
O gigante francês, contudo, tratou, além de praticar preços reduzidos, de oferecer prazos dilatados de pagamento, de até 36 meses, combinação que irritou rivais e entidades do comércio (ver “O Brasil descobre o hipermercado – 2“).
Dario Palhares, jornalista e escritor, especial para o varejoemdia.