Poucos segmentos do varejo nacional passaram por mudanças tão profundas nas últimas décadas quanto o de postos de combustíveis.
Se antes bastavam algumas bombas para abastecer tanques e calibrar pneus dos veículos da freguesia, o sucesso desses negócios no presente está ligado diretamente às chamadas lojas de conveniência.
Tais anexos garantem reforços nas receitas na faixa de 20% a 30% e uma rentabilidade bem superior à proporcionada pelas vendas de gasolina e álcool, graças a preços – de lanches, pães, comidas prontas, bebidas alcoólicas, refrigerantes, guloseimas etc. – que superam em até mais de 100%, com frequência, os valores praticados em supermercados e padarias.
Muito além de combustíveis: ofertas dos Postos Itaipava em 1985
Concebido em 1927 pela texana Southland Ice Company, que agregou artigos de mercearia ao seu cardápio de vendas, encabeçado por pedras de gelo, esse conceito cuja meta é arrancar do consumidor mais do que ele planeja gastar chegou ao ramo de combustíveis após a Segunda Guerra Mundial, na esteira do forte crescimento das frotas de duas e quatro rodas e dos subúrbios nos Estados Unidos.
No Brasil, a novidade deu as caras na década de 1970 no posto Itaipava do Parque da Catacumba, na zona sul do Rio de Janeiro, que passou a oferecer refrigerantes, preservativos e gelo, entre outros itens.
“Foi a saída para crise de 73 e hoje é uma tendência irreversível”, declarou Richardson Valle, o titular da rede, à Revista de Domingo, do Jornal do Brasil, em outubro de 1989.
O empresário, que considerava a sua área de atuação “uma coisa conservadora e burra”, seguiu firme na diversificação de serviços.
Em 1974, instalou uma lanchonete Bob’s no posto Itaipava da BR-040, que logo ficou abarrotado de viajantes.
Na década seguinte, ampliou o menu da rede, com a oferta de sorvetes, cigarros, pizzas, leite, musses, panquecas, croissants, discos e até mesmo obras de arte.
Inaugurado em novembro de 1985, o Centro Cultural Itaipava, instalado no posto do Parque da Catacumba, tornou-se rapidamente uma referência no circuito artístico do Rio, promovendo exposições de grandes mestres, como Alfredo Volpi, Carlos Scliar e Manabu Mabe, e colocando à venda trabalhos de autores renomados com pagamentos parcelados em até sete vezes.
Conveniência também é cultura: obras de arte em suaves prestações
Pioneira absoluta na seara, a Itaipava, que depois criaria a bandeira It para as suas lojas de conveniência, foi também a primeira a lançar mão da nomenclatura “oficial” do segmento.
O feito ocorreu em 17 de outubro de 1987, com a divulgação de um pacote de boas novas sobre os dois postos da cadeia na avenida das Américas, na Barra da Tijuca.
“Primeira novidade: seu carro é abastecido por universitários gentis e bem treinados. Segunda novidade: a 1ª loja de conveniência, aberta 24 horas, onde você pode comprar rapidamente uma bebida, um preservativo, gelo etc. Terceira novidade: um novo Centro Cultural Itaipava, onde você pode apreciar os trabalhos mais expressivos da arte contemporânea. […] Em vez de abastecer em qualquer lugar, abasteça-se de combustíveis e novidades”, dizia anúncio publicado no Jornal do Brasil daquele sábado.
Oito semanas depois, seria a vez de São Paulo ganhar o seu primeiro estabelecimento do gênero.
Em 16 de dezembro de 1987, abria as portas no posto Bola Pesada, no bairro do Aeroporto, a unidade inaugural da rede Express, que contabilizava cerca de mil itens de compra em 210 metros quadrados de área de vendas.
Sócios na empreitada, o Pão de Açúcar e a Shell planejavam as inaugurações, em 90 dias, de outras duas unidades próprias na Pauliceia e a posterior expansão para o interior paulista e outros estados.
“Montaremos as primeiras lojas para mostrar o funcionamento e a operação diferenciada, e depois iniciaremos o sistema de franquias”, disse à Folha de S. Paulo daquela quarta-feira José Roberto de Raphael, gerente-geral da Express, que, quatro anos mais tarde, ocupava a vice-liderança do segmento, com 20 lojas, duas a menos do que a Itaipava.
A moda pegou como rastilho de pólvora, atraindo novos competidores.
Entre 1989 e 1994, o mercado passou a contar com as redes Stop & Shop, da Esso, Star Shop, da Texaco, e BR Mania da Petrobras, e, de quebra, viu ainda a Ipiranga substituir a Atlantic no comando da AM/PM, criada em 1988.
Naquele período, os postos que contavam com lojas de conveniência viraram pontos de encontro de jovens, reunindo multidões nas noites de sextas e sábados, fenômeno ainda observado em cidades no interior do Brasil.
Estavam lançadas as bases de um negócio que comemoraria, em 1998, a abertura do milésimo ponto de venda e seguiria a crescer de forma contínua.
Em 2017, o parque instalado somava 7.900 unidades, 81,54% a mais do que em 2008, e as receitas do segmento atingiam a marca recorde de R$ 7,4 bilhões, 3,2% acima do montante registrado no ano anterior.
O potencial de crescimento é igualmente expressivo, já que, segundo indicadores da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Lubrificantes, Logística e Conveniência somente 19,21% dos postos nacionais contam com lojas de conveniência, cerca de 70 pontos percentuais abaixo do índice dos Estados Unidos e em torno de 45 aquém dos indicadores da Espanha e do Reino Unido.
Dario Palhares, jornalista e escritor, especial para o varejoemdia