Em entrevista à jornalista Salete Silva, editora do recém-criado site Viva! Serra Negra, Nivaldo Bertolini, 82 anos, um dos mais antigos empresários da cidade, conta como enfrenta as crises do país, a ausência de políticas de incentivo à produção e a concorrência com os chineses.

O seu Nivaldo criou uma das mais tradicionais malharias de Serra Negra, a Del Lini Tricot, que foi forçada a encolher. A venda online tem ajudado a manter o negócio.

Veja a seguir a trajetória e as lições do seu Nivaldo, que foi engraxate nos anos 40.

Engraxate nos anos 1940, ajudante do pai na mercearia da família nos 1950, sócio de uma das padarias mais famosas da cidade a partir dos anos 1960 e industrial das malhas desde os anos 1990, o empresário Nivaldo Bertolini, aos 82 anos, permanece na direção da Del Lini Tricot, a maior fábrica de malhas de Serra Negra.

O empresário tenta encontrar novos nichos de mercado para a empresa. Ao completar 40 anos, a malharia enfrenta, segundo ele, um dos períodos mais difíceis de sua trajetória.

Todos os dias, logo cedo, seu Nivaldo, como é conhecido, já está em seu escritório instalado na maior das quatro lojas de fábrica que a malharia mantém na cidade.

Ele cuida pessoalmente da administração financeira da companhia. Toda a família, no entanto, está envolvida nos negócios da Del Lini Tricot, comandados também pela filha Sandra Bertolini e pelo genro Cosmo Fedel, com a ajuda dos três netos, Tiago, Rodrigo e Taís.

O trabalho em família é um dos fatores de sucesso empresarial dos Bertolini. “A Sandra, comercialmente falando, é terrível”, elogia o pai, num tom de brincadeira.

A Del Lini Tricot sobreviveu às transformações do comércio local, que diversificou o mix de produtos, oferecendo outros artigos além das malhas.

E dribla as diversidades ocasionadas pelas mudanças da moda, a falta de apoio do governo ao setor industrial, a crise econômica prolongada dos últimos anos e em especial a concorrência dos produtos chineses.

“A China está acabando conosco. As malharias estão importando contêineres de lá”, diz.

Ao longo da entrevista que deu ao Viva! Serra Negra, o empresário repetiu diversas vezes uma frase: “Está difícil.”

O último ano bom de vendas, ele recorda, foi 2017. No ano passado, o faturamento encolheu 50% em relação a 2017 e este ano, até junho, já havia encolhido mais 32% em relação ao mesmo período de 2018.

Sem outra alternativa, demitiu dez empregados em 2018 e diz que só depois da temporada de inverno saberá como vai manter os atuais 42 funcionários.

Além da crise econômica prolongada, o frio demorou a chegar este ano, ele acrescenta, prejudicando ainda mais as vendas no atacado, seu principal negócio.

Embora Serra Negra integre o Circuito das Malhas, que incluem municípios próximos, como Socorro (SP) e Monte Sião (MG), a produção local de malhas sempre foi modesta e de pequenos fabricantes, segundo Bertolini, e a maioria das lojas sempre comprou boa parte das suas mercadorias de fábricas vizinhas.

“Em Monte Sião também as fábricas estão terceirizando a produção”, informa. Competir com os produtos chineses é muito difícil e isso, segundo ele, explica por que os lojistas serranos de forma geral têm procurado produtos fora do Circuito das Malhas. É difícil competir com os preços chineses. O consumidor, segundo o empresário, está sem dinheiro e quer produtos mais baratos.

Suas perspectivas não são otimistas. O empresário diz não ver sinalização de mudanças positivas para a indústria no governo Bolsonaro. “Ele é louco, agora quer colocar o filho como embaixador.”

O comércio online, indica, parece ser a alternativa. As vendas pela internet têm compensado parte da queda das encomendas do atacado. “Estamos indo bem por esse caminho”, diz. Mas Bertolini não arrisca um palpite sobre a economia no segundo semestre. “Vão aumentar os impostos e já estão falando em volta da CPMF.  Vamos tocando, porque está difícil”, conclui.

Na entrevista ao Viva! Serra Negra, em seguida na íntegra, Nivaldo Bertolini fala sobre sua trajetória empresarial e da Del Lini, entrelaçada com as transformações econômicas da cidade.

Viva!Serra Negra – Como o senhor chegou até aqui?

Nivaldo Bertolini – Comecei com meu pai, no armazém. Desde criança, meu pai ia para roça, era mascate. Pegava ovo, frango e comprava pão que trocava com ovo. Nessa época não tínhamos aberto nada ainda.

Viva! Serra Negra – E o senhor ajudava a vender?

Nivaldo Bertolini – Sim, eu saía com o cesto de laranja, banana pela rua. Vendia também bala, saía com o tabuleiro durante muitos anos pelas ruas. Fui engraxate. Minha vida começou assim. E trabalhei com meu pai até casar.

Viva! Serra Negra – O seu pai chegou a ter um estabelecimento?

Nivaldo Bertolini – Meu pai teve um armazém, onde hoje é o varejão de frutas na rua José Bonifácio. Nasci e cresci nessa casa.

Viva! Serra Negra – Quando o senhor abriu seu primeiro negócio?

Nivaldo Bertolini – Eu e o Saragiotto abrimos uma padaria pegada com o varejão [a sociedade começou em 1962 com os irmãos Dirceu, Celestino, Duilio, Aristides e Plínio Saragiotto, com os quais adquiriu a padaria Santa Terezinha de Ernesto Amadeu que já tinha 25 anos]. Depois compramos [1964] o prédio onde é a Padaria Serrana. Modéstia à parte, eu viajava muito para São Paulo junto com os Saragiotto. Nas andanças, na Rua Jaguaribe, vimos uma padaria linda, procuramos saber quem tinha montado. Fomos lá, aprendemos e fizemos a instalação em 1964. Quando montamos era a melhor padaria que tinha na cidade. Era muito chique. Na região não tinha igual.

Viva! Serra Negra – O que vocês trouxeram de inovação?

Nivaldo Bertolini – Até então, Serra Negra não tinha pão quente. Era tudo feito de madrugada. Aí começamos a fazer. A padaria era ponto de referência dos turistas. Ficou famosa com a empada de palmito [a empada foi introduzida com a chegada do funcionário Luiz Ceará, atual proprietário da Sorveteria Tarantela. Com ajustes na receita feitos pelos sócios, acabou se tornando a famosa empadinha da Padaria Serrana]. Fiquei nessa sociedade quase 30 anos [1962-1986].

Viva!Serra Negra –  Como o senhor foi parar no ramo de malharia?

Nivaldo Bertolini – A malharia começou com o meu genro e os irmãos Claudio e Clóvis Fedel. A malharia ficava na rua da descida da igreja, Rua João Pires. A malharia era debaixo do prédio em que mora o padre. Quando eu tinha a padaria, o Clóvis quis sair da sociedade da malharia Havena e queria vender sua parte. Os outros dois irmãos [Claudio e Cosmo] não tinham dinheiro para comprar a parte dele. O Clóvis me ofereceu. Comprei e os dois irmãos começaram tocando. Eu só era sócio nessa época.

Viva! Serra Negra – E a padaria, até quando o senhor ficou nesse ramo?

Nivaldo Bertolini – Vendi a minha parte da padaria para o Walter Ferraresso, pai do Sergio e do Silvio. Modéstia à parte, até então eu tocava a padaria, embora tivesse só um terço da sociedade. Dois terços eram dos cinco irmãos Saragiotto. Saí mais ou menos no mês de agosto [1986] e em novembro os irmãos sócios iriam fechar a padaria. Se desentenderam entre eles.

Viva! Serra Negra – Os irmãos venderam para o Walter Ferraresso?

Nivaldo Bertolini –  Isso. Quando o Walter decidiu comprar, foi me chamar para oferecer sociedade e você pode até não acreditar no que eu vou contar. Mas eu estava no Guarujá e o Ferraresso apareceu lá. E eu disse: “Vocês de novo aqui, não vou ficar sócio.” Mas ele disse que iria comprar a padaria e iria me dar 50% da sociedade de graça. Isso não existe nem de pai para filho. Eu tinha um terço, vendi um terço para o Ferraresso e recebi 50% de graça. Fiquei como sócio com eles. A padaria era deles, eu tinha 50% e eu é que tocava, com a ajuda das minhas filhas. Fizemos um contrato de quatro anos em que eu não era obrigado a cumprir, mas eles sim.

Viva! Serra Negra – Quanto tempo o senhor ficou lá?

Nivaldo Bertolini – Fiquei cinco anos [até 1991]. Quando foram reformar a padaria, eu não quis mais.

Viva! Serra Negra – Foi aí que o senhor migrou de vez para o ramo de malharia?

Nivaldo Bertolini – Eu tinha um terço da malharia e resolvi construir o prédio da malharia localizado na estrada para Amparo, na saída da cidade. Construí aquele prédio lá, passei a malharia para lá e compramos a parte do outro irmão que continuava como sócio. Investimos em máquinas importadas. Foram nos anos 90.

Viva! Serra Negra – E depois vocês montaram as lojas de fábrica?

Nivaldo Bertolini – Isso foi um conceito novo. As lojas na Coronel penduravam cabides na porta e modéstia à parte, a primeira loja modificada na cidade foi a nossa. Que veio com um conceito novo.

Viva! Serra Negra – As lojas vendiam roupas fabricadas em Serra Negra?

Nivaldo Bertolini – Serra Negra tinha poucas fábricas. Tinha a do Clóvis, a Havena, e a Romanos, depois, mas tinham mais pequenos fabricantes que tinham uma máquina em casa. Mas aí começou a se modernizar. As lojas compravam de fábricas da região, como Monte Sião. Compravam e compram até hoje. Ninguém fabrica. Só tem uma fábrica em Serra Negra que é a minha. Nem a Havena tem mais. Para você ter uma ideia, tenho 28 funcionários na fábrica. Fica difícil…

Viva! Serra Negra – Como era o mercado em Serra Negra quando o senhor começou no ramo de malharia?

Nivaldo Bertolini – Naquele tempo era muito bom. O giro era rápido. Meu genro e minha filha, recém-casados, começaram a tocar a loja da galeria. Depois alugamos uma casa, depois compramos a casa e fizemos a loja. Hoje, temos quatro lojas.

Viva! Serra Negra – Quando o senhor começou quem eram os seus clientes?

Nivaldo Bertolini – Nunca vendemos para lojistas locais. Vendíamos para sacoleiros. Na galeria, a Sandra, minha filha, comercialmente falando, ela é terrível, tem uma visão impressionante de negócios. Depois compramos esse prédio aqui, depois fomos comprando e ampliando. Antigamente dava para fazer isso, agora não dá mais.  Está difícil.

Viva! Serra Negra – Desde quando o senhor começou a sentir a crise econômica?

Nivaldo Bertolini – O último bom ano foi 2017. Foi bom porque teve inverno. A data certa do inverno é agora [julho], mas em anos anteriores, na Semana Santa já tínhamos movimento de inverno. O meu forte é atacado.

Viva! Serra Negra – De onde são os clientes do atacado?

Nivaldo Bertolini – Temos clientes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os ônibus chegavam de madrugada trazendo o pessoal para as compras. Em março já tínhamos ônibus de sacoleiros que vinham desses Estados fazer compras em Serra Negra. Começam em março porque o frio começa em abril. E o frio não veio…

Viva! Serra Negra – É o frio ou o frio e a crise econômica?

Nivaldo Bertolini – Os dois. No ano passado, as nossas vendas foram 50% menores do que as de 2017. Este ano, até junho, estavam 32% menores do que em igual período do ano passado. O problema é que não sei como vou manter o quadro de funcionários.

Viva! Serra Negra – O que o senhor acha que aconteceu?

Nivaldo Bertolini – O pessoal está sem dinheiro. As pessoas vêm, experimentam, querem coisa baratinha. Não fabricamos produtos de combate, de jeito nenhum. Mantemos a qualidade do produto, a qualidade do fio. Na indústria, graças a Deus, tenho três netos fabulosos Tiago, Rodrigo e Taís, filhos da Sandra. Eles já estão trabalhando a moda de 2020.

Viva! Serra Negra – Como o senhor trabalha essa preparação da moda?

Nivaldo Bertolini – Temos estilista, temos modelista, e a Sandra é quem comanda. A nossa estilista foi para a Europa para pesquisar as tendências. Mas está difícil…

Viva! Serra Negra – O que o senhor acha de diversificação dos produtos nas lojas serranas?

Nivaldo Bertolini – Cada um é cada um. Cada um sabe do seu negócio. No nosso, somos quatro famílias. Eu estou na direção, mas somos quatro famílias decidindo. Quando meus netos foram estudar, aconselhei para que saíssem fora daqui, procurassem o que gostassem, se não der certo fora, as portas estão abertas aqui, mas eles gostam e quiseram ficar.

Viva! Serra Negra –  Eles acharam que aqui as perspectivas eram boas?

Nivaldo Bertolini – Sim, quando casaram, a situação estava bem melhor, fizeram casa para eles, agora está mais difícil.

Viva! Serra Negra –  O senhor acha que Serra Negra deveria manter essa identidade de cidade do tricô, das malhas?

Nivaldo Bertolini – Infelizmente, não é porque só tem a minha malharia, o comércio aqui não oferece produção local porque não tem e eles não têm como fazer feiras de produção local. Em Monte Sião também as fábricas estão terceirizando a produção.

Viva! Serra Negra – E a concorrência dos importados, em especial a China?

Nivaldo Bertolini – A China está acabando conosco. As malharias estão importando contêineres de lá.

Viva! Serra Negra – Qual é a perspectiva para a indústria?

Nivaldo Bertolini –  Aí que está, está entendendo? Por que as pessoas vão para São Paulo? Porque não conseguimos concorrer com os importados, porque são mais baratos. A China tem coisa boa, mas é muito pouco. Mas ninguém pode com a China.

Viva! Serra Negra – O senhor acha que tem alguma sinalização do governo Bolsonaro de que ele dará apoio para a indústria?

Nivaldo Bertolini – Não sei…porque ele é louco. Agora, quer colocar o filho como embaixador.

Viva! Serra Negra – Quantos funcionários o senhor tem no total?

Nivaldo Bertolini – Tenho 42 e no ano passado já demiti dez funcionários. E é difícil…Só nessa loja temos dez funcionários. É uma loja grande e aqui recebemos os clientes de atacado. Estou esperando acabar o mês agora. Esperar chegar agosto para ver como fica. A despesa é a mesma. Tenha venda ou não tenha venda, a despesa é a mesma.

Viva! Serra Negra –  O senhor acha que as medidas adotadas até agora, como a reforma trabalhista, com intenção de reduzir custos, e outras que virão como a carteira verde amarela, com menos direitos trabalhistas, estimulam a criação de empregos?

Nivaldo Bertolini – Eu não acredito. Só se os jovens acreditam, porque eu não acredito. Vou contar para você, eu tenho funcionários de 25 anos, 20 anos e 15 anos de carteira assinada.

Viva! Serra Negra – O senhor pode perder mão de obra treinada.

Nivaldo Bertolini – Isso. Tenho uma equipe muito boa, treinada, que se reúne a cada 15 dias e eles recebem comissão, porque você tem de dar um incentivo. Eles têm de ser parceiros.

Viva! Serra Negra – Quando o senhor acha que é período crítico?

Nivaldo Bertolini – O atacado, que é o forte, já acabou este ano. O que nós estamos apostando é nas vendas online. Estamos indo bem por esse caminho. O pessoal do Paraná, por exemplo, não vem, mas pede o catálogo virtual e enviamos para todos os clientes. Não estamos vendendo exageradamente, mas está aparecendo. Individualmente, uma blusa, também estamos vendendo, tira foto, manda e estamos fazendo pequenos atacados. Meus netos estão se especializando nisso. Hoje está tudo moderno. Então, estamos tentando fazer uma coisa para suprir a queda de vendas.

Viva! Serra Negra – Qual é a perspectiva para 2019? Há alguma perspectiva de retomada da economia até o fim do ano?

Nivaldo Bertolini – Retomar o quê? Esse governo é uma incerteza. Todo dia uma notícia ruim. Sempre falei, ele [Bolsonaro] é burrão. Ficou oito mandatos lá e não fez nada como deputado. Mas olha, no segundo turno, votei nele.

Viva! Serra Negra – O senhor acha que com o PT seria pior?

Nivaldo Bertolini –  Pelo amor de Deus, iria continuar a roubalheira.

Viva! Serra Negra! –  O senhor acha que hoje não tem roubalheira?

Nivaldo Bertolini – Tem, mas as pessoas já pensam um pouco mais. A verdade é que o país está quebrado e vão aumentar os impostos. Estão falando em volta da CPMF… E vamos tocando porque está difícil.

Escrito por Salete Silva, editora do site Viva! Serra Negra

Escrito por Fátima Fernandes

Jornalista especializada em economia, negócios e varejo

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